Sobre escrever



Luciano Lopes (*)

Do alto da montanha da vida, fitando os vales que teria de atravessar, fui entendendo que palavra é berço de respeito. Letrar é mesmo o meu destino, minha fome, tem jeito não.

Sou daqueles que escrevem o não dito que há em si. É como eu meu curo. Abraço os dramas para me confortar nas tristezas, porque elas rendem verso importante. A alegria, vou coando na pureza, porque se ela não vem para transformar, não faz sentido. Eu escrevo é para não me perder da palavra, porque o mundo é grande.

No papel, é onde sou mais livre. Escrevo o que quero e não, não me dou ao luxo de ser prisioneiro de estilo. Se é o horizonte que eu fito, não há vento que procela minha liberdade. Minhas palavras têm asas e cruzam os trópicos com a ação do pensamento. E elas estão aí, a procurar sua verdade no mundo.

Falar é algo grande. Mas escrever é o infinito e eu quero viver em um lugar assim. Quando escrevo, visto a minha nudez interior para despi-la para as montanhas. Escrevendo, eu ando descalço e sinto a terra dos meus fonemas, que sustenta meus verbos e meus sentimentos. Escrever me faz fingir de destemido.

Não sou ciumento, mas tem vezes que vou beirando o tenso. Escrever também dói, porque perco as palavras para o papel. Não é ciúme bobo. Nessa hora, tiro da cartola a candura do esquecimento para não sofrer demais. Tem horas que o fim de uma frase beira a loucura. E eu deliro. E choro.

Quero ser grande como o horizonte que fito, mas tem vezes que do brejo não largo. Das palavras, sou caipira. Não sou Clarice nem Drummond. Sou um erro de ortografia. Mas sou preparado para lutar, as borrachas que se segurem. Sou difícil para apagamentos. 

Escrever é a minha verdade reinventada, minha mentira real, entendam. Escrever é para os fracos. Que delícia ser fraco, meu Deus. Os fortes não perdem tempo com sentimentos.
Letrar é meu destino, tem jeito não. Dizem que nasci meio torto para a escrita, mas a opinião alheia é o que menos importa na minha colcha de letras. Deus me deu o direito às palavras, então eu vou palavrear no meu livre-arbítrio, na minha pequenez.

Meu presente e meu futuro são as palavras, e a morte eu não conheço. Desci da montanha, atravessei todo o vale e vou parar por aqui, assim, porque minha fome passou. Por enquanto.

(*) Jornalista e editor do Colcha de Letras.