Para Leila Ferreira e Cris Guerra.
Estou neste momento com o livro “Que Ninguém nos Ouça” abraçado junto a
meu peito. Sim, sou desses que, quando lê algo bonito, chega o livro perto do
coração para a boa energia percorrer o corpo. É coisa de afeto.
Pela janela do quarto entra uma brisa fresca, atrevida na temperatura,
que teima em arrepiar os pelos dos meus braços. Mas é tarde demais. Já estou
aquecido pelo crochê de palavras que vocês teceram.
Já fazem três anos que o livro foi lançado e este meu abraço é também
o da releitura. E ela me deixou com vontade de escrever. Sobre sentir, amar, viver. Sobre os fantasmas que nos assolam.
A vida é, ao mesmo tempo, um circo bonito e implacável, não é mesmo? A gente assiste quietinho na plateia até o momento em que somos jogados no picadeiro. É assim que se aprende a sentir. Quem é corajoso de nascer neste mundo precisa entender que sentir vem antes mesmo, Leila. É o ponto de partida. Aqui, domar nossos fantasmas é uma música diária que aprendemos a cantar com claves de lágrimas e sorrisos.
Esses fantasmas “vão como se nada tivesse acontecido e voltam como se
nunca tivessem ido”, como escreveu certa vez a poetisa indiana Rupi Kaur. É com
eles que a vida nos mostra que a palavra de ordem é sobreviver. Lutar é
sobreviver. Esquecer é sobreviver. Amar é sobreviver. No picadeiro de nossos
momentos, perder e ganhar são acrobacias que a vida ensina pra gente. Cabe a
nós a escolha: "cairemos" de pé ou deitados?
Viver é um verbo que tem poesia, mas intenso demais de se conjugar. Eu vivo, tu vives, nós vivemos. Assim
como amar e sentir, ele é uma palavra boa de se vestir, não é, Cris? Li
recentemente um livro do psicólogo austríaco Viktor Frankl que retrata as
experiências que ele viveu em vários campos de concentração nazistas, durante a
II Guerra Mundial, e passei a ver o sentimento (e o sofrimento também) com outros olhos. Enquanto estava
aprisionado com outras dezenas de judeus, em vez de se entregar à amargura e ao
descontrole, buscou entender qual o sentido da vida quando o
protagonista do pesadelo é você. E perguntou aos outros companheiros o que os
deixava esperançosos em relação ao próprio futuro, qual era a razão de viver deles.
Da possibilidade de reencontro com os filhos, os pais, ao abraço do
grande amor, as respostas foram várias. Mas há uma frase dele que resume bem
essa busca da “liberdade última”, aquele sinal divino que só a esperança pode
trazer, que nos move inteiros: “Quando já não somos capazes de mudar uma
situação (...) somos desafiados a mudar nós mesmos”. E é isso que acontece com
a gente a todo o momento, porque a essência humana é evoluir. Sem vencer desafios, sem dor e amor,
isso não é possível. Essa é a pedagogia da vida. A gente precisa se vestir de esperança, sempre, para dar
conta do recado.
Sofrer é uma opção? Nem sempre. Mas quando a tristeza estiver batendo à
porta, é melhor não se martirizar tanto. A xícara de café que ela
tomará conosco nunca será funda demais. O gole é rápido e o papo às vezes nem rende. É que a receita da alma tem amor, a energia mais poderosa e transformadora que existe (e que vocês sabem falar tão bem). Amor, amor, amor. Este sim é sentimento que vale uma prosa mais demorada. E um bom café com pão de queijo para acompanhar (ou uma taça de vinho, dependendo da ocasião).
Deixo-as com uma frase de Nietzsche que o Viktor Frankl adorava: “Quem
tem por que viver pode suportar quase qualquer como viver”. O que acham? Obrigado a
vocês, queridas, por mostrar a tanta gente que viver, sentir e amar é bom, independentemente dos percalços. Por fazerem suas palavras aconchegarem nossos corações sempre carentes de afeto. E por desafiarem a
si próprias sem medo de mudar. Não há fantasma que aguente o poder de uma
revolução interior.