Para Bethânia



Luciano Lopes (*)

Demorei um pouco para processar aquilo tudo. Não sabia o que fazer. Durante muito tempo, não consegui ouvir nenhuma música. Curti uma tempestade de bonanças, de versos que cortavam meu pensamento. Um bloqueio de sentidos.

Lembro-me de poucas passagens daquela apresentação na capital dos Gerais. Uma ciranda de luzes e cores que dançam ao som da voz. Um passeio pelo universo, pelas águas, pelo que é bonito. Rosas vermelhas que pareciam agradecidas por tê-la sobre suas pétalas projetadas. Quando abriu a boca, purificou nossos medos. Nossos problemas, então, pareceram nem existir. A voz dela nos aqueceu, como a quentura do ventre da Terra.

Maria Bethânia é para ser contemplada sem ruído ao redor. Ao som da primeira palavra, sua voz dá ordem delicada: olhe para dentro de si, sinta a brasilidade das próprias raízes, os trovões e a chuva bonita do silêncio de seu ninho, que fazem você entender e amar quem é e onde vive.

Sua obra tem um valor que vai além dos fonogramas - são registros históricos do Brasil e de seu povo. Trazem a força da nossa natureza, o grito da liberdade, o amor, a política dos sentidos. Maria Bethânia é como a arte: nunca evapora.

Na plateia da sexta cria dos Veloso, os sangues tropicais se misturam feito irmãos - índios, sertanejos, brancos e negros, mulheres e homens, na beleza da grande raça que forma o verso que é nosso país. Taí a beleza que Maria nos mostra e canta. A identidade que ela quer que encontremos. O amor, o Brasil, a paisagem do outro, a natureza. 

A Maria da terra que celebra a Maria dos céus, que há mais de cinquenta primaveras nos presenteia com a sua presença nos palcos e em nossos ouvidos e corações. Quem abraça e agradece somos nós. Você é uma poesia bonita que Dona Canô e Seu Zezinho contaram pra gente, uma força que nunca secará.

Por mim, fez muito. Ajudou-me a encontrar a sensibilidade que ainda habitava meus jardins internos. Maria Bethânia, você me apresentou a poesia e eu acho que isso é a coisa mais bonita que se pode fazer por alguém. 


(*) Jornalista e editor do Colcha de Letras.