O diabo nunca dorme


Luciano Lopes (*)


Eram três horas da madrugada. Ainda acordado, o moço parecia não acreditar. Seu coração estava acelerado, sintoma de mais uma noite de sono que se perderia. Tentava fechar os olhos e nada. Seria ele excluído de qualquer possibilidade de descanso? Virou para o outro lado, pediu a Deus para que o sono chegasse rápido.
O cansaço queria bater papo e um rastro de luz insistia em atravessar a cortina, que balançava por conta do ventilador ligado.
Evitou pensar na vida, no trabalho a ser feito no dia seguinte, mas alguém parecia lançar os pensamentos à sua mente com um estilingue. Virou de barriga para baixo. Sentiu calor. Levantou e foi à cozinha tomar um copo com água gelada. Três goles, parada para respirar. Mais três goles. Fechou a porta da geladeira, irritado, porque a luz incomodava.
Decidiu não voltar para a cama. Cismou que ela era a culpada por deixá-lo acordado.
Olhou para o sofá grande, de quatro lugares, e viu ali a oportunidade de uma nova tentativa. Ansiava por uma cochilada de 15 minutos.
Ajeitou as almofadas, deitou e fechou os olhos. Nada. Em um último ato de desespero, pensou em apelar para os remédios. O sono viria na certa. Ledo engano, logo pensou. Se ele não veio às 3h, jamais apareceria às 5h14, horário que o relógio de parede lhe apontava com um tic-tac assanhado e provocador.
A cabeça começou a doer. Pensou em chorar.
Virou para o lado, pegou duas almofadas e tampou os ouvidos. Parecia não querer escutar a insônia, que nessa hora já estava aos berros.
De repente, com as orelhas abafadas pelas almofadas verdes, que tinham desenhos de plantas tropicais, passou a escutar o próprio coração batendo rápido. Sua atenção foi embalada pela batida. Em poucos minutos, comemorou o pequeno sossego que vencia a tensão, deixando o corpo e a consciência mais relaxados, acariciando seus olhos até que eles se fechassem.
Mas o moço tinha muita pressa para dormir. 
Não satisfeito, pediu mais uma vez a Deus para acelerar a chegada do sono. E, quando o abraço do descanso estava prestes a dar seu aperto de glória, o parente alegre e bem-humorado, que dorme como pedra, sai do quarto às 6h e grita: “Vai dormir na cama, moooço. Bom dia!”.
- “Bom dia, seu filho da puta” – diz o acordado ao parente, que não entendeu nada. 
“O diabo nunca dorme. E ele adora zoar quem tem insônia”, pensa o moço que não amanheceu ensolarado. E, em silêncio, ele se benze e vai fazer café.

(*) Jornalista e editor do Colcha de Letras.