Sobre casas, sobre afetos



Luciano Lopes (*)

Sou gente de casa. Cresci em uma família com dois irmãos, pai e mãe presentes e dedicados. O lugar onde morávamos era grande, com jardim de frente com roseiras e um quintal que tinha espaço suficiente para se construir um prédio. 

Sempre tive um apego afetivo com casas. Difícil destacar um motivo. Quando era criança, lembro de ir para o quintal, onde ficavam os cachorros, e de me sentar no cimento frio para olhar a estrutura da residência. Observava as janelas, a cor das paredes, as áreas verdes que a rodeavam. As escadas, o formato do telhado sobre a laje grossa. E ficava encantado com aquilo. Eu tinha uma casa para viver - e isso é a soma de todos os privilégios.

Quando me mudei para Belo Horizonte, em novembro de 2004, fui morar em uma "casa de hospedagem" (era assim que o proprietário a chamava) no bairro Santo Antônio. Lá, vivia uma galera com idades entre 20 e 30 anos e que veio do interior para trabalhar na capital. Eu tinha meu quarto, com cama, roupa lavada, café da manhã e televisão. Espaço no guarda-roupa para meus livros. Cantinho na geladeira, com sucos e frutas embalados com o nome escrito em cima.
Consegui ficar um mês e meio. Por quê? Eu tinha um lugar para viver, mas não uma casa para morar. 

Era tudo muito frio - e não me refiro à condição climática do ambiente. Faltava calor humano ali. A hora do café era a treva em silêncio, quebrado apenas pela palestra diária da faxineira sobre as futricas dos moradores. Talvez por isso, até pouco tempo, tomar café era como corrida de Fórmula 1 para mim. Engolia rápido para ouvir pouco. Hoje, isso mudou. Naquela época, o que eu ganhava de salário não dava para alugar uma casa, mas um apartamento. Para isso, iniciei um cooper diário pelas imobiliárias da cidade. A corrida deu certo. Aluguei uma quitinete que era pequena no tamanho, mas que fazia a minha liberdade não ter limites.

Tempos depois, com as novas posições que graçavam minha carteira de trabalho, fui alugando apartamentos maiores e melhores. Foram três, em três anos, até finalmente comprar o meu. "Ah, o sonho da casa própria", eu celebrava.

Moro neste apê há 11 anos, mas eu gosto mesmo é de casa. Sou sagitariano e esse tipo de gente precisa de espaço, livro e planta perto. Luz do sol, vista para o horizonte e para o céu. Janelas grandes para sentir a ousadia do vento, o cheiro das brisas. Quietude para o coração e a alma no aconchego do ninho de si.

Hoje, decidi abolir aos poucos o uso do carro para o trabalho. Vou de metrô. E o maravilhoso disso é que, até meu serviço, caminho por uns poucos quarteirões. Vou namorando as casas. Apreciando as fachadas, as cores, as janelas e o verde que insiste em mostrar sua beleza por cima dos muros. E fico feliz de saber que continuo encantado com tudo isso. 

Nesses momentos de contemplação, sempre penso na casa de meus sonhos. Ela não é grande nem pequena, mas tem tamanho suficiente para caber minhas alegrias, minhas virtudes, meus medos e minhas coragens. Não tem piscina, mas água suficiente para lavar minhas angústias, matar a sede dos meus desejos e do meu amor. Não precisa de carros de luxo, mas de força para carregar meus sentimentos para onde eu quiser. Tem de despertar o melhor de mim, curar minhas feridas e me preparar, toda manhã, para o nascer do sol que mereço.    


(*) Jornalista e editor do Colcha de Letras.