Roberto Drummond, o contador de horizontes

Fotos: Reprodução/Breno Pataro - PBH

Luciano Lopes (*)

Anos atrás, perambulando por uma livraria na Savassi, em BH, deparei-me com ninguém menos que o jornalista e escritor Roberto Drummond. Concentradíssimo no livro que folheava em mãos, ele tomava um cafezinho naquela tarde de um dia que parecia ser de São Nunca. Pensando em como deveria abordá-lo, sem parecer um perseguidor, venci a timidez e segui em sua direção.

Parei ao seu lado e, educadamente, pedi licença. Depois de me apresentar, disse que era um admirador de suas crônicas e, como jornalista, me identificava com esse estilo de prosa pop, experimental e apaixonada que era tão marcante em seu trabalho. Ele agradeceu e, para meu desespero, me convidou para tomar um café também.

Puxei a cadeira e me sentei. Sem titubear e prevendo que aquela conversa poderia não durar muito tempo, emendei uma falação sem fim em que só se ouvia a minha voz. Disse que a Savassi era meu lugar preferido de BH. Que era de Montes Claros e ficava feliz por ele citar minha cidade em seus textos. De admirá-lo por defender a liberdade de viver e ser das minorias. Por colocar as mulheres no lugar de destaque que elas sempre mereceram estar.

Não parei nisso. Agradeci por ele não deixar de lado o suor que os mais velhos derramaram para fazer de Minas Gerais a terra que é hoje. Por ser a voz dos loucos mansos e rebeldes. Por nos fazer parar por um instante e prestar atenção na natureza. Por mostrar que futebol também é amor, muito mais do que uma camisa preta e branca a enfrentar todas as tempestades.

Drummond, sem dizer uma palavra, continuou a me observar. E eu não me rendi. Disse que ele havia me mostrado que a felicidade pode ser colhida em safras infinitas. E contava em texto os horizontes de nosso cotidiano e de nossas almas com tanta fidelidade e maestria que orquestrava a nossa felicidade sem saber. Que somos luz e devemos ver a vida com olhos de criança, para não perdermos a poesia do sentir e apreciar as pequenas surpresas que Deus nos faz. E que o amor, mesmo nos fazendo remar contra a correnteza de vez em quando, sempre estará à nossa espera.

Ofegante, finalmente me calei em frente ao mestre. Ele me olhou com um meio sorriso e, durante o minuto de silêncio que se seguiu, eu nem desejava mais estar ali, de tanta vergonha.

De fato, percebi que não estava.
Olhei ao redor e vi, na minha frente, apenas a moça da lanchonete que dizia atônita: “Seu café esfriou”. Respondi, feliz, que não tinha problema. Nada melhor do que sonhar acordado, em plena Savassi, com Roberto Drummond, naquele dia que realmente era de São Nunca.


(*) Jornalista e editor do Colcha de Letras.





Quem foi Roberto Drummond?


Natural de Ferros, Leste de Minas, Roberto Francis Drummond foi jornalista, romancista e cronista. Atleticano apaixonado, escreveu obras consagradas da literatura brasileira, como “A Morte de D.J. em Paris” (que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, em 1975), “Hilda Furacão” (que virou minissérie da TV Globo) e “O Cheiro de Deus”. Também famoso pelas crônicas esportivas, escreveu para os jornais “Estado de Minas” e “Hoje em Dia”. Drummond morreu de enfarte em 2002, nove dias antes de o Brasil ser consagrado pentacampeão mundial de futebol.