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Anos atrás, perambulando por uma
livraria na Savassi, em BH, deparei-me com ninguém menos que o jornalista e
escritor Roberto Drummond. Concentradíssimo no livro que folheava em mãos, ele tomava
um cafezinho naquela tarde de um dia que parecia ser de São Nunca. Pensando em
como deveria abordá-lo, sem parecer um perseguidor, venci a timidez e segui em
sua direção.
Parei ao seu lado e, educadamente, pedi
licença. Depois de me apresentar, disse que era um admirador de suas crônicas
e, como jornalista, me identificava com esse estilo de prosa pop, experimental
e apaixonada que era tão marcante em seu trabalho. Ele agradeceu e, para meu
desespero, me convidou para tomar um café também.
Puxei a cadeira e me sentei. Sem
titubear e prevendo que aquela conversa poderia não durar muito tempo, emendei
uma falação sem fim em que só se ouvia a minha voz. Disse que a Savassi era meu
lugar preferido de BH. Que era de Montes Claros e ficava feliz por ele citar minha
cidade em seus textos. De admirá-lo por defender a liberdade de viver e ser das
minorias. Por colocar as mulheres no lugar de destaque que elas sempre
mereceram estar.
Não parei nisso. Agradeci por ele não
deixar de lado o suor que os mais velhos derramaram para fazer de Minas Gerais
a terra que é hoje. Por ser a voz dos loucos mansos e rebeldes. Por nos fazer
parar por um instante e prestar atenção na natureza. Por mostrar que futebol também
é amor, muito mais do que uma camisa preta e branca a enfrentar todas as
tempestades.
Drummond, sem dizer uma palavra, continuou
a me observar. E eu não me rendi. Disse que ele havia me mostrado que a
felicidade pode ser colhida em safras infinitas. E contava em texto os
horizontes de nosso cotidiano e de nossas almas com tanta fidelidade e maestria
que orquestrava a nossa felicidade sem saber. Que somos luz e devemos ver a
vida com olhos de criança, para não perdermos a poesia do sentir e apreciar as
pequenas surpresas que Deus nos faz. E que o amor, mesmo nos fazendo remar
contra a correnteza de vez em quando, sempre estará à nossa espera.
Ofegante, finalmente me calei em frente
ao mestre. Ele me olhou com um meio sorriso e, durante o minuto de silêncio que
se seguiu, eu nem desejava mais estar ali, de tanta vergonha.
De fato, percebi que não estava.
Olhei ao redor e vi, na minha frente,
apenas a moça da lanchonete que dizia atônita: “Seu café esfriou”. Respondi,
feliz, que não tinha problema. Nada melhor do que sonhar acordado, em plena
Savassi, com Roberto Drummond, naquele dia que realmente era de São Nunca.
(*) Jornalista e editor do Colcha de Letras.
Quem foi Roberto Drummond?
Natural de Ferros, Leste de Minas,
Roberto Francis Drummond foi jornalista, romancista e cronista. Atleticano
apaixonado, escreveu obras consagradas da literatura brasileira, como “A Morte
de D.J. em Paris” (que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, em 1975), “Hilda Furacão”
(que virou minissérie da TV Globo) e “O Cheiro de Deus”. Também famoso pelas
crônicas esportivas, escreveu para os jornais “Estado de Minas” e “Hoje em
Dia”. Drummond morreu de enfarte em 2002, nove dias antes de o Brasil ser
consagrado pentacampeão mundial de futebol.